quinta-feira, 13 de junho de 2013

Amores, mais que amores...




Às vezes diferenciamos gostar de amar, às vezes, não. Até o dicionário é meio ambíguo quanto a isso... Mas, há algo que está na essência do que relatamos que amamos ou gostamos muito, que é o desejo. Amamos o que queremos para nós e,  às vezes, um desejo benevolente acrescenta o querer bem, então, o amor sobe um nível. De qualquer forma, por vezes, estamos ligados pelo prazer que se tem a partir do valor e qualidades do objeto do amor, outras pelo prazer que dá o usufruto do objeto amado.

O prazer que baseia o amor, nós podemos dizer que tem duas origens: o prazer de suprir uma necessidade, que é necessariamente precedido por um desejo nosso, como o desejo de um copo d’água para quem tem sede; e o prazer que dá algo que é sublime, algo que é além do normal em qualidades positivas, sejam físicas, relacionais ou espirituais, como o amor pela arte, ciência, Deus, amigos verdadeiros. Esses prazeres não necessitam de um preparo antecipado. É como quando somos surpreendidos por um perfume agradável e inesperado durante um passeio. Apesar de que sempre podemos, infelizmente, transformar um prazer sublime, não meramente utilitário, em um prazer necessidade, um prazer de usar algo, o que o faz transformar-se em uma dependência, como pode ser com o chocolate, por exemplo, para citar algo sem tantas implicações graves e imediatas.

A essência do que eu quero colocar aqui, é que cada prazer direciona um tipo de amor. Por exemplo, o prazer-necessidade baseia o amor-necessidade. O prazer sublime baseia o amor sublime. Mas, cada tipo de prazer nem é bom ou mau por si, o prazer necessidade, por exemplo, pode ser associado ao prazer sublime e dar-lhe outra direção.

Ambos os tipos de prazeres vão diferir em relação ao tempo de duração. Os prazeres-necessidade geralmente morrem assim que são saciados. Por exemplo, entramos na cozinha depois de uma caminhada no sol quente e a primeira coisa que precisamos e queremos é um copo d’água. Se entrarmos no mesmo lugar sem sede, ele pouco nos chamará a atenção. Por isso, o prazer-necessidade sempre traz declarações sobre nós no passado porque é onde o desejo foi saciado e é a isso que ele está ligado. Esse prazer morre cedo, assim que a necessidade é suprida.

Os prazeres sublimes podem perder seu gosto ou efeito, mas com o longo do tempo. Por exemplo, após morar na praia por algum tempo, podemos deixar de ir até a orla ou apreciá-la. Mas esse prazer pode ser reavivado. O prazer-sublime traz declarações no presente, porque ele mantém a conexão conosco através da admiração e contemplação, que permanecem por longo tempo e, como falei antes, podem ser mantidas, se forem alimentadas. Os prazeres sublimes por sua natureza atraem o direito à contemplação e à admiração. Eles possuem as qualidades, que lhes fazem dignos disso. Tornam-se em si mesmos algo admirável. O que é admirável é valioso. É impensável destruí-lo. É impensável não se gastar tempo em admirar, cuidar, preservar. Torna-se uma vergonha não fazer isso ou de danificá-lo. Como um trabalho de arte para quem gosta, uma peça de música, etc. são preciosos e devem ser preservados.

O prazer necessidade está em função do momento e perde seu significado rapidamente após a sua satisfação. Assim também os objetos desse tipo de prazer perdem rapidamente  seu sentido. Os objetos do prazer sublime nos levam a investir tempo com eles, dar-lhes atenção, em saboreá-los, elogiá-los. “Como não sentir?”, “Como não admirar?” , “Como conseguem pensar em destruir?” Já os objetos dos prazeres-necessidade  não provocam culpa em abandoná-los por não ser necessário darmos valor ou nos dedicarmos a eles.  Ninguém olha para uma fonte e diz: Como posso passar aqui e não tomar água? A menos que outro prazer esteja envolvido.

O prazer necessidade traz o amor-necessidade. Quando o amor se baseia no prazer necessidade, o ser amado é visto como um meio para suprir as nossas necessidades. Por exemplo, uma pessoa se afasta de outra assim que consegue o que deseja. No estilo: Ficou-passou. Como quem amassa um copo descartável após ele servir ao seu propósito. Esse amor não dura mais do que a necessidade de sexo, vaidade ou prazer em si. Mas o amor necessidade pode se transformar em amor sublime, quando outros elementos se associam a ele. Por exemplo, quando a atração física se une à admiração, à fidelidade e à integridade.

Sem a associação com o amor sublime, o amor necessidade acaba junto com a solução da necessidade. Alguns filhos que não têm uma relação com os pais só permanecerão com eles enquanto não puderem sustentar a si mesmos, depois disso se afastarão. Ou como alguns homens ou mulheres com necessidade sexual satisfeita deixam as pessoas com que se relacionaram, do mesmo modo.

O triste é quando damos a Deus o amor necessidade. Pessoas que pensam que já receberam tudo o que precisavam de Deus deixam o relacionamento com Ele. Quando desenvolvemos apenas amor necessidade por Deus só lembramos dele nas tribulações. É a estrutura básica do relacionamento da hipocrisia religiosa, ritualista e aparente, mas sem relacionamento. Quem não busca a Deus no momento de necessidade? Nós buscamos polícia, bombeiros, porque não a Deus? Mas nos momentos em que nos vemos supridos, quebramos a fidelidade.

Esse trecho bíblico da reapresentação da lei por Moisés quando o povo estava para entrar na terra do Egito, mostra princípios de que amor deve ser direcionado a Deus. O Senhor mostra que procura um relacionamento e não apenas ser um banco de bênçãos: “Pois que grande nação há que tenha deuses tão chegados a si como o SENHOR, nosso Deus, todas as vezes que o invocamos? E que grande nação há que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que eu hoje vos proponho?” (Deuteronômio 4:7-8). Como você tem olhado para Deus? 

Mas, onde está o fiel da balança? O ponteiro de Equilíbrio? Deus procura ter conosco um relacionamento. Foi isso que Ele disse a seu povo no deserto, antes de possuírem as promessas. Eles precisariam manter o amor sublime por Deus, o tipo de amor que não se apagaria após as necessidades serem supridas: 
Tão-somente guarda-te a ti mesmo e guarda bem a tua alma, que te não esqueças daquelas coisas que os teus olhos têm visto, e se não apartem do teu coração todos os dias da tua vida, e as farás saber a teus filhos e aos filhos de teus filhos. Não te esqueças do dia em que estiveste perante o SENHOR, teu Deus, em Horebe, quando o SENHOR me disse: Reúne este povo, e os farei ouvir as minhas palavras, a fim de que aprenda a temer-me todos os dias que na terra viver e as ensinará a seus filhos.Então, chegastes e vos pusestes ao pé do monte; e o monte ardia em fogo até ao meio dos céus, e havia trevas, e nuvens, e escuridão. Então, o SENHOR vos falou do meio do fogo; a voz das palavras ouvistes; porém, além da voz não vistes aparência nenhuma. (Deuteronômio 4:9-12).

Deus diz: "Não se esqueça de mim, eu não tenho rosto, porque não sou gente, não tomo gasolina porque não sou carro, não entrego contra-cheque porque não sou emprego, nem sou palpável e visível que você possa consumir ou relegar a um lugar qualquer. Eu sou uma pessoa que tem um relacionamento contigo e sou Deus que posso todas as coisas, esse que te ajudou quando precisasses e que te espera para ter um relacionamento chegado  contigo." Pense no seu coração: Você tem buscado um relacionamento com Deus ou receber coisas de Deus? Seu prazer está na face ou as mãos de Deus? A escolha é sua. O princípio que você usar para amar a Deus vai se replicar no seu relacionamento com as pessoas. Porque está escrito que todos os princípios de Deus partem desses dois: 

Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas. (Mateus 22:37-40)

Expressando o amor sublime




Não vamos aqui tentar a ilusão de que podemos ter um puro amor sublime muito claro e definitivo nos nossos relacionamentos. Não conseguimos separar o prazer sensorial do prazer sublime (valores e estética) na maioria das vezes. Como separar o perfume de um campo florido e a sua beleza? Ou separar a forma como um poeta descreve o amor e o amor que nos leva a desejar o poema? Imagine que você ouça de alguém que ama o seguinte:

“Amo como ama o amor.
Não conheço nenhuma outra razão para amar  senão amar.
Que queres que te diga, além de que te amo,
se o que quero é que te amo?” (Fernando Pessoa)

O que seria mais prazeroso: ouvir o poema da pessoa amada ou o poema? Os dois não seriam uma coisa só? O prazer sublime pode ser generoso, a ponto de fazer abrir mão do prazer necessidade. Uma mãe pode abdicar de alimento para suprir a fome de seu filho. Um amigo poderia abrir mão de muitas coisas para ajudar outro. Como o prazer sublime desenvolve a admiração e a valorização, ele baseia um tipo de amor que torna inimaginável a destruição da coisa amada. O amor necessidade quer receber, o amor sublime quer dar. O amor sublime mantém a vida do que ama e o amor necessidade a usa para si. 

O amor baseado nos prazeres sublimes mantém o valor do objeto do seu amor, preza e defende a sua integridade mesmo que a posse não seja sua, ele protege e faz o que for preciso para preservá-la, ainda que distante de si. Podem ser amadas coisas ou pessoas dessa forma.  Você não pode compreender o cuidado de uma pessoa com uma pequena peça de artesanato nem tão bela, mas cuida e guarda porque ela tem mil anos e pertence a uma civilização de que você nunca viu falar. Ou porque uma mãe de um filho, que para você é apenas um viciado incorrigível, chora por ele todas as noites e continua indo buscá-lo na sarjeta, onde ela vai agredi-la como conseguir.  Ou como Deus manda o seu único Filho por causa de pessoas que não acreditam sequer que Ele existe.

Mas, realmente, esse tipo de amor que defende, cuida, tem sido negligenciado pelos cristãos. Ao menor levante de uma suspeita, que não se confere nem o fundamento, já podemos acreditar e disseminar comentários sobre pessoas que nos serviram e nos amaram a vida toda. Nossos pastores, pais, mães, amigos, e qualquer um que se levante nessa sociedade que exalta a infidelidade em todos os seus âmbitos. Precisamos amar com amor que valoriza, cuida, defende. Pelo menos, precisamos dar o benefício da dúvida a pessoas que conviveram conosco algum tempo e através de quem já fomos e, muitas vezes, temos sido abençoadas.  Deus está levantando, eu creio, uma geração que vai agregar o significado da palavra lealdade ao seu caráter como pedra de toque do verdadeiro cristianismo. Cristão, irmão de cristão, cristão cuidando de cristão, cristão cuidando do seu próximo e sendo instrumento de amor para a glória de Deus no Espírito Santo.

Assim, teremos por fim dois tipos de amores, baseados e dois tipos de prazeres. O amor necessidade, que clama a Deus de nossa pobreza; o amor sublime, que deseja servi-lo, porque agradece a Deus pelo que Ele é. O amor necessidade não pode viver sem a pessoa, está focado em si mesmo; o amor sublime quer fazê-la feliz, dar conforto e proteção, mesmo que para isso tenha que abrir mão de si mesmo, está focado no outro. Esses amores se misturam e se equilibram em fazer relacionamentos se transformarem em trocas saudáveis, onde cuidado, valor e atenção e tudo que possa ser desejado em um relacionamento possa estar na dinâmica dessa relação de prazer e amor abençoada por Deus em qualquer esfera.  


Você pode orar assim:

Jesus, que todas as coisas que eu necessitar possam trazer nelas a marca do teu amor; que em todas as pessoas que eu encontrar, possam levar gravadas por mim essa marca, para tua glória. Ajuda-me a me tornar um doador de vida como Tu és. Afasta os meus olhos das minhas necessidades o suficiente para que eu veja as necessidades dos outros, fortalece minhas mãos para que eu possa servir aquele que também precisa como eu, faz-me igual ao outro ao me ver e menor que o outro ao agir, em nome de Jesus, te peço.


Fontes consultadas:
LEWIS, C. S. Os quatro amores. São Paulo: Martins Fontes, [s.d.].

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