Convivência é
algo trabalhoso, por vezes, árido. Há momentos em que nós temos dificuldades
até conosco mesmos, quanto mais com as dificuldades dos outros. Mas, que fazer,
se todos temos defeitos e todos precisam de companhia? Essa fábula abaixo, da
qual desconheço o autor, ajuda muito a dar uma proposta para essa pergunta
nomeada “convivência”.
Durante a era glacial, muitos
animais morriam por causa do frio. Os porcos espinho, percebendo a situação,
resolveram se juntar em grupos, assim se agasalhavam e se protegiam mutuamente,
mas os espinhos de cada um feriam os companheiros mais próximos, justamente os
que ofereciam mais calor.
Por isso decidiram se afastar uns
dos outros e começaram de novo a morrer congelados. Então, precisaram fazer uma
escolha: ou desapareciam da Terra ou aceitavam os espinhos dos companheiros.
Com sabedoria, decidiram voltar a ficar juntos. Aprenderam assim a conviver com
as pequenas feridas que a relação muito próxima podia causar, já que o mais
importante era o calor do outro. E assim sobreviveram.
Foto: Filhote de porco espinho |
Além da fofura
desses filhotinhos da foto, podemos ver uma ilustração perfeita do que é a
convivência na vida comum e na igreja de Jesus. Mesmo na igreja, que é dedicada
exclusivamente a Cristo, não temos um lugar repleto de perfeitos prontos, mas apenas
um espaço de aperfeiçoamento dos que querem ser como Jesus. Não temos
resultados, senão parciais do caráter de Cristo. É um processo contínuo. Esse é
o trabalho do Espírito de Deus em nós: "mas todos nós, com rosto descoberto,
refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em
glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor." (II Coríntios
3 : 18). Cada um no seu tempo. O máximo que uma pessoa pode oferecer em
qualquer relacionamento é a intenção e o esforço de fazer o melhor. Seja na
igreja, nas amizades, no casamento, na escola, no trabalho, onde for o
relacionamento. Ofereça o seu melhor, perdoe o limite alheio e o Pai do céu se
encarregará do restante.
Mas, para cada espaço
que freqüentamos, precisaremos entender de espinhos e de calor que dá vida.
Estamos discutindo isso no texto de hoje.
Lugares de amor
A família é um lugar de amor, mas não quer dizer que cada
um não tenha os seus espinhos. Às vezes, queremos dar mais valor aos espinhos
do que ao calor e a proteção da família, mas isso não nos fará bem. O mundo lá
fora é frio, tão frio que machuca e chega a matar. Não podemos perder o senso de respeito e cuidado,
que nos coloca em proximidade na família, e nem o senso de individualidade, que
guarda uma distância, um espaço particular para cada pessoa. Para os pais e
líderes em qualquer grupo, gerar um ambiente saudável, onde a unidade, a
individualidade e o respeito convivam é um desafio diário.
Muitos pais se perguntam porque não conseguem marcar o
caráter de seus filhos. E tentam resolver isso com a força. Mas, o respeito e a
fé no outro geram a responsabilidade dentro do coração, que é a base da
liberdade. Esse respeito, entretanto, só é gerado pela convivência real, pelo
tempo vivido juntos e pela escuta mútua. Se você é do tipo de líder que só
fala, dificilmente influenciará mais do que uma repetição forçada de ações
enquanto estiver presente.
Jesus conviveu diariamente com doze apóstolos. Os discípulos
tinham necessidade de o acompanharem e estarem com Ele para poderem receber a
instrução, que era marcada não somente no poder de Cristo, mas a convivência no
caráter de Cristo. Além da liberdade de perguntar tudo o que desejassem, os
apóstolos viam Jesus agir como pregava.
A coerência de uma pessoa gera a confiança nos que
convivem com ele. A admiração torna o ser admirado num exemplo amado a ser
seguido. Nenhum discurso substituirá o exemplo. Jesus encarnou a Palavra e o
amor de Deus. Ele é a imagem de Deus. Tudo o que Deus puder dar a nós, Ele dará.
Isso é uma verdade indiscutível porque Jesus é a prova na cruz. Em Jesus, na
sua coerência e obediência ao Pai, vemos o modelo. A admiração de alguém, molda
o modelo sobre o coração, a coação cria uma máscara passageira, que funcionará
apenas na frente da pessoa que coage. Mas, gravar um princípio no coração de
alguém exige consistência de caráter e, principalmente, verdade.
A responsabilidade da liderança
O confronto da realidade com o seu discurso precisa ser um
encontro de amigos e não uma decepção. A hipocrisia não gerará pessoas fiéis e
verdadeiras, apenas mais hipócritas. Daí, a responsabilidade dos pais e líderes.
Nós estamos gerando famílias que não
convivem, isso é terrível. Rouba da sociedade o sentido de comunidade e das
pessoas o sentido de laço e espaço de segurança. Há uma ideia de que nós
podemos sobreviver com relações transitórias e de que podemos seguir na vida,
sozinhos, mentira que custará caro.
O ser humano, desde o começo, só recebeu o melhor de Deus
quando esteve em sua família. Quando Deus criou a mulher e deu ao homem, então
disse que tudo era muito bom. O plano de Deus, desde a criação, era que a
família se multiplicasse sobre a terra. Não deixe que os espinhos alheios lhe
enganem. A solidão e a ansiedade são os dois males do século, segundo os
especialistas, mas esses males são vencidos num ambiente onde se encontre o
amor. Deus designou para isso a família secular e a família espiritual, a igreja.
Lugares de acolhimento
A igreja é o
lugar onde podemos ter liberdade e apoio para aprender a sermos como Cristo. Por
isso, precisamos ter a visão de que todos nós estamos num constante processo particular
e grupal de melhoramento e de que todos partem do mesmo ponto, do zero. Cristo
é a fonte que nos sustentará juntos na trajetória rumo ao alvo certo, Jesus. O
processo depende da contribuição de todos e dos conselhos da Palavra:
12 Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e
amados, de entranhas de misericórdia, de benignidade, humildade, mansidão,
longanimidade; 13 Suportando-vos
uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra
outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também. 14 E, sobre tudo isto, revesti-vos de amor, que é o
vínculo da perfeição. 15 E a paz de Deus,
para a qual também fostes chamados em um corpo, domine em vossos corações; e
sede agradecidos. (Colossenses 3:12-15)
Não há
cristianismo de perfeitos, assim como não há cristianismo de pessoas isoladas.
Jesus morreu por seu corpo, por um grupo. Jesus orou o olhou por um grupo de
pessoas e não por pessoas fechadas em si mesmas. Observe os plurais na oração
de Jesus:
6 Manifestei o teu nome aos
homens que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles
têm guardado a tua palavra. 8 porque eu lhes
tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam, e
verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me enviaste. 9 É por eles que eu rogo; não rogo pelo
mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus; [...] 11 Já
não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, ao passo que eu vou
para junto de ti. Pai santo, GUARDA-OS EM TEU NOME, QUE ME DESTE,
PARA QUE ELES SEJAM UM, ASSIM COMO NÓS. 12
Quando eu estava com eles, guardava-os no teu nome, que me deste, e
protegi-os, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se
cumprisse a Escritura. (João 17: 6-9, 11-12).
“Guarda-os em teu nome, que me
deste, para que eles sejam um, assim como nós.” (João 17:11b). É a oração de Jesus. Jesus quer que nós estejamos
tão unidos aos irmãos, quanto Ele está unido ao Pai. Essa é a última oração de
Jesus. Devemos honrá-la e não encontrar desculpas ou justificativas para não
suportar os defeitos alheios, sabendo que, fazendo isso, não encontraremos
também quem suporte os nossos. Se você quer que Deus o guarde, encontrará
proteção no convívio desses imperfeitos, que buscam proteção no calor de
Cristo, que, pela sua graça, está em cada um dos que resistem aos espinhos em busca
do seu calor amoroso, que cuida de todos nós.
Lugares de imperfeição
Assim, precisamos nos preparar para encontrar os nossos
espinhos e os alheios... "Procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo
da paz. " (Efésios 4:3). Jesus nunca disse que a igreja
estaria isenta de erros, mas disse que ela venceria: “[...]sobre esta pedra
edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.”
(Mateus 16:18). Logo, a arma da igreja não é a sua perfeição
absoluta em atos, palavras e pensamentos, mas a perfeição do amor de Cristo em
nós, que nos leva a valorizar mais a vida de Jesus no outro do que as suas
falhas.
E encontraremos também
o espinho do que corrige... "Se suportais a
correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não
corrija?" (Hebreus 12 : 7); "Leais são as feridas feitas pelo
amigo, mas os beijos do inimigo são enganosos." (Provérbios 27 : 6). É difícil alguém dizer que gosta de ser
corrigido. Nós gostamos mesmo é de acertar e sermos aplaudidos. Só depois de
ver a utilidade da correção é que entendemos a bondade nela e isso indica
maturidade. Porque só quem realmente se importa corrige.
O elogio é uma faca de dois gumes
Elogiar é sempre
mais fácil de que corrigir e é uma arma maravilhosa para facilitar a manipulação
das pessoas. O elogio tanto pode ser uma armadilha, quanto um encorajamento
benéfico, depende da intenção de quem o faz. Mas, quem não corrige, não é digno
de elogiar. Cuidado com as pessoas que elogiam demais e com sua reação
aos elogios:
como o pote de refinamento é para a prata
e a fornalha para o ouro [trazendo para fora as impurezas do metal], assim um
homem será tentado pelo louvor [arrancando dele de tudo o que é baixo ou
insincero; pois um homem é julgado pelo que ele louva e do que ele se gaba].
(Provérbios 27:21)
O espinho da decepção e da mágoa
Há pessoas com
quem não devemos mais estar. Os seus espinhos se tornaram muito longos, vamos
dizer assim. Mas, isso só é indicado quando alguém escolhe andar num caminho
que vai terminar em precipício, não vamos decidir estar com ela. Quando a
pessoa toma uma decisão clara e deliberada de ir contra a Palavra e caminhar
num caminho que não é o de Cristo. Paulo ensinava e dava exemplo dessa separação:
6
Nós vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos
aparteis de todo irmão que ande desordenadamente e não segundo a tradição que
de nós recebestes; 7 pois vós mesmos
estais cientes do modo por que vos convém imitar-nos, visto que nunca nos
portamos desordenadamente entre vós, (2 Tessalonicenses 3:6-7)
Entretanto, tenho
visto pessoas abrirem mão de toda uma história por um minuto de fraqueza ou
somente desagrado do outro. Pessoas que viveram e foram abençoadas por alguém,
parente, amor, ministro, mas ao primeiro deslize, até uma “cara feia”, já se
afastam e abandonam o relacionamento. Não entendo que tipos de relacionamento
essas pessoas esperam ter. Não há possibilidade de conviver-se com alguém e não
ter maus momentos. Não existem pessoas perfeitas, mas acho que, principalmente,
essas pessoas precisam saber que não existem pessoas como elas imaginam e querem.
As pessoas em qualquer lugar cargo ou posição, pais, mães, amigos, parentes,
pastores, existem e lutam com suas próprias dificuldades e fraquezas, assim
como você. São outras pessoas e não uma cópia do que você imagina. Não faça uma
imagem de perfeição e tente amoldar as pessoas nela porque, no máximo, você
conseguirá enganar-se ou magoar-se.
Então, podemos
dizer que se os espinhos nos ensinam qual é o espaço que pertence aos outros, o
calor nos ensina que o amor e o bem que recebemos é mais importante do que os
espinhos, que todos possuem. Tudo é precioso, então. Tudo é para o nosso
crescimento, se aprendermos com o amor de Deus. Respeito, individualidade,
comunhão e amor, tudo isso faz parte da grande lição de caráter de Cristo, que
só se aprende na prática da convivência.
Você pode orar
assim:
Querido Deus,
ajuda-me a compreender o espaço das outras pessoas, amá-las e respeitá-las
assim; também ajuda-me, Senhor a esclarecer os meus limites para as pessoas; e,
acima de tudo, ajuda-me a valorizar o calor e o aconchego das pessoas que me
enviaste, acima de qualquer momento em que tenha encontrado seus espinhos.
O perdão faz a gente suportar os espinhos.
ResponderExcluirdjane.