segunda-feira, 20 de maio de 2013

Ciúmes e ciumentos: amor ou posse?



Há prisões da alma que são terríveis. Muitos vivem encarcerados em seus próprios pensamentos e gerando formas de relacionamento que os levam ao fracasso repetidamente. Vou lhes apresentar a ilustração abaixo que ilustra bem o princípio que quero compartilhar hoje:


Um príncipe numa terra distante estava muito triste. Tinha todas as coisas materiais, mas um vazio no coração. Seu pai, preocupado, mandou chamar o maior sábio e mago do país. O mago disse ao rei que dali há três meses nasceria uma flor belíssima que iria alegrar o coração do seu filho. Mas, ela jamais poderia ser removida do lugar onde nascesse, senão morreria.

No tempo marcado, a flor nasceu. Quando o príncipe a viu caiu a seus pés e ficou fitado nela até que seu coração se encheu de alegria por estar com ela.

A notícia da flor espetacular espalhou-se e a população começou a chegar ao jardim do palácio para vê-la. Ela também os encantava. Mas, o príncipe não queria que ninguém se aproximasse da flor como ele. Mandou colocar guardas, mas era inútil. A flor tinha um fascínio impressionante sobre a população que se amontoava no jardim do palácio.

Então, vendo que não podia mais tê-la ali só para si, mandou fazer o vaso mais lindo que seus ourives pudessem e o fez de ouro, prata, cravejado das mais lindas pedras preciosas. Então, arrancou a flor do jardim e levou-a com os melhores botânicos e jardineiros do reino para seu quarto. Todos passaram a noite cuidando dela, mas quando o primeiro raio da manhã surgiu ela secou e morreu, conforme o mago falara.

O príncipe preferiu arriscar e perder a flor a compartilhar com as pessoas a sua beleza.

O ciúme é citado como arma de uma das nossas maiores inimigas: a carne, a natureza humana descoberta da Glória de Deus, (Gálatas 5:19-21). Ele é destrutivo. Porque aquilo que nos encanta, só o consegue porque está vivo e num movimento de dar e receber  com a vida. Mas o ciúme faz que nós queiramos cortar de outra pessoa todos esses relacionamentos e manter o vínculo unicamente conosco, então, aquilo que dava vida ao objeto do nosso ciúme, morre.

No dicionário Michaelis ciúme significa “inquietação mental causada por suspeita ou receio de rivalidade no amor ou em outra aspiração.” Por essa definição, podemos ter ciúme de tudo o que desejamos (seja por amar ou não). Diz Pierre Charon que "por sua natureza e seus efeitos, o ciúme se aproxima da inveja. Porém, entre ciúme e inveja permanecem algumas diferenças. Na inveja, sentimos que outros possuem um bem que desejamos para nós, enquanto no ciúme defendemos um bem que julgamos nosso e que não desejamos ver partilhado com outrem." Bem o caso do príncipe, que não percebeu que a vida da sua flor estava n sua conexão com a vida à volta dela.

No caso de Saul e Davi, os dois tristes sentimentos aconteciam. Saul começou a se estremecer, quando Davi começou a crescer perante o povo. Saul queria ter as vitórias que não tinha mais e que Davi tinha, além de querer defender a coroa que Davi parecia ameaçar por crescer diante do povo. É uma conjunção fatal. (1 Samuel 18:7-11).

É comum se falar em ciúmes entre um casal. Dizem até que o ciúme é, no relacionamento, como sal na comida, precisa de um pouco para dar sabor, mas, passando do ponto, ele a torna intragável. Mas, o ciúme no relacionamento entre as pessoas tem sido destrutivo há muito tempo. Ou como disse Miguel de Cervantes: "se o ciúme é sinal de amor, como querem alguns, é o mesmo que a febre no enfermo. Ela é sinal de que ele vive, porém uma vida enfermica, maldisposta. " Apesar de ser normal, por causa da nossa fragilidade humana, alimentá-lo é um risco seríssimo, como mostramos brevemente.






Raízes do ciúme


Não é necessário que seja um relacionamento entre homem e mulher para que haja ciúmes. Há pessoas que se apropriam e cercam as outras as tornando ou tentando torná-las sua propriedade exclusiva. Essa necessidade de dominar e possuir a vida do outro prendendo-a no seu controle é um substituto da incapacidade interior de crer que o outro estará lá por vontade própria. Geralmente, esses tipos de pessoas viveram um processo de rejeição profundo, desde a infância e não aprenderam que podem ser amadas.

Num caso de ciúme doentio, a ira é muito fácil de acontecer por qualquer divisão de atenção ou tempo. Chega ao ponto de o outro não ter sequer mais direito a uma vida própria. Então, se sente sufocado e parte fazendo que o relacionamento seja destruído. E isso realimenta o sentimento de rejeição que gera a primeira incredulidade no amor do outro e que se fixa na posse do outro e, por consequência, aumenta e justifica os ciúmes para o ciumento e o torna cada vez mais solitário.


Quando a coisa complica

O ciúme pode ser normal, fruto da insegurança comum em um relacionamento afetivo, que é sempre delicado e sem garantias, quando acontece a distribuição de atenção da pessoa amada entre outras pessoas. Quanto mais sentimento de rejeição, maior o nível de insegurança e de necessidade de garantir a posse daquilo que no fundo essas pessoas não acreditam que possam obter com suas qualidades e afeto. 

Se a possessividade se aprofunda e alarga pode se tornar uma doença terrível, que distorce a realidade e leva a ações violentas.  O ciumento patológico cria um(a) rival que existe realmente para ele. Qualquer gesto é passível de detonar uma crise de ciúmes e o estágio seguinte é a violência. "Um abismo chama outro abismo [...]" (Salmo 42:7). A princípio, o rival só existe mesmo para ele. Depois, geralmente, o parceiro ou parceira cede a tanta sugestão e termina cedendo a atrair-se por alguém que o ciumento tanto chama a atenção e exalta. Como Jó disse: "Aquilo que temo me sobrevém, e o que receio me acontece." (Jó  3:25).  "Para o ciumento, é verdade a mentira que ele vê. " ( Calderón de la Barca ).  Ou, como diz Miguel de Cervantes, "os ciumentos sempre olham para tudo com óculos de aumento, os quais engrandecem as coisas pequenas, agigantam os anões e fazem com que as suspeitas pareçam verdades." 

O ciúme enraizado não depende de motivos ou raízes, ele tem um enredo próprio e é o próprio diretor e protagonista do drama de traição, que encena e crê. Quando o ciúme se torna doentio, tudo que se possa dizer ou fazer é falso e se não há fé, não há como o amor fluir, então o relacionamento é destruído pelas constantes mágoas da desconfiança. Se você constantemente desconfia do caráter e da lealdade de alguém, a ofende tanto que ela não suportará por muito tempo ser ofendido(a).  A princípio, a parte inocente tenta provar sua lealdade e dignidade, mas não surtirá efeito porque o outro não é capaz de ouvir. Está surdo pela rejeição que o identifica como incapaz de ser amado e fadado à traição. Observe o caso de Davi e Saul. Não havia como provar fidelidade de Davi a Saul porque Saul não acreditava ou não estava interessado nisso. Ele tinha ciúmes da glória que Davi recebia e ainda a queria para si. Não havia nada que Davi fizesse ou dissesse que o fizesse Davi deixar de ser bem-sucedido e  Saul um mal-sucedido.


O ciúme sutil e inteligente

Acontece que nem todo ciumento é óbvio. Muitos cercam tanto as pessoas amadas de cuidados, que elas não conseguem se desvencilhar nem perceber que estão sendo controladas, durante muito tempo. Sentem-se incomodadas, mas não conseguem entender porque, até que fica claro, e elas querem sair às pressas do relacionamento, o que dá motivos para a pessoa ciumenta pensar que as suas suspeitas de não ser amada eram a mais profunda verdade, o que realimenta o ciclo. Incluindo o fato de que elas foram o máximo de cuidado e proteção para o outro: "Que mais poderia fazer? As mulheres (os homens) não prestam! Só gostam de quem é  canalha (vadia)!" Se todos os seus relacionamentos terminam no mesmo mote, não é de se pensar em seus critérios de escolha e formas de relacionamento?

Abaixo da superfície, sempre há a raiz de rejeição muito forte no ciumento. Ele não consegue crer que é amado. Na realidade basta ter essa convicção para vencer o ciúme, porque todo ser que é amado é único e insubstituível. O ciumento, entretanto, passa a vida procurando provar a si mesmo que as pessoas que ele ama querem deixá-lo. "O ciumento passa a vida tentando descobrir o segredo que irá destruir a sua felicidade." ( Oxenstien )  e acaba sempre encontrando até mais do que procura.

Observe a conduta de Saul. Saul ficava imaginando o que Davi iria fazer contra ele sempre. E não importa o que Davi fizesse ou provasse, poupou-o da morte três vezes, mas não adiantou. Saul não via fidelidade em Davi, só ameaça de traição. A paranóia de Saul se estendeu a todos os admiradores de Davi, cada admirador era um roubo do seu reinado, da sua área de posse pessoal (1 Samuel 18ss). 


Ciúmes e manipulação


Na realidade, a pessoa que é ciumenta, geralmente também é manipuladora. Quer que tudo gire em torno dela, precisa controlar tudo à sua volta porque não confia no amor das pessoas. Saul manipulou "n" situações para reaver a atenção que tinha do povo antes de Davi. O ciúme é um egoísmo aplicado. Como no exemplo do príncipe, que preferiu arriscar a vida da sua bela flor a compartilhar a sua beleza com outros. Saul arriscou todas as vitórias que Davi lhe trazia e o sucesso do reino nas campanhas militares para preservar a aura de sua coroa. Para um ciumento, ele sempre estará sendo preterido por outrem que se aproxime de quem ele quer ou do que ele quer, não importa o motivo, ou o sexo de quem se aproxima. Mas pode ser ainda pior quando se aceita o ciúme do relacionamento homem – mulher como “parte essencial para detectar que é amor”. 

No caso de Caim (Gênesis 4)... Ele matou o irmão por inveja, o irmão teve de Deus a aceitação que ele não recebeu. Mas ele também teve ciúmes porque queria a atenção de Deus para si mesmo e quem a obteve foi seu irmão. Se ele amasse o irmão teria se alegrado  com isso porque, pelo menos o irmão, teria acertado o passo e aprenderia com seu irmão. Então, ciúme corre na contramão do amor.

Se uma pessoa está convencida de que todas as outras não vão querer ficar com ela e que ela precisa sempre lutar para mantê-las presas a si, é uma longa cadeia de sofrimento que ela arrasta pela vida como os fantasmas dos castelos medievais gemendo e arrastando correntes pelos corredores da vida. Essa pessoa vai trazer todas as marcas possíveis nela e nos outros. Os seus relacionamentos vão fracassar, porque vão receber um investimento altíssimo e, no primeiro momento que aquela pessoa precisar dividir a atenção com alguém mais, a pessoa vai se sentir rejeitada e abandonada. E isso vai se repetir sempre, porque ninguém se relaciona apenas com uma pessoa, mas do ponto de vista do ciumento é a comprovação de ele nunca fora amado como suspeitava desde o princípio. E o ciclo recomeça, com o medo fazendo-o querer prender ainda mais a próxima pessoa. E termina em distanciamento do outro para poder sobreviver. O que traz dor e a certeza que alimenta o ciclo do ciúme e da rejeição.


O amor e a liberdade


O amor precisa de liberdade para florescer e fé para trazer a paz e o crescimento. Como diz Montaigne "de todas as enfermidades que acometem o espírito, o ciúme é aquela a qual tudo serve de alimento e nada serve de remédio. " O ciúme é uma doença horrível que destrói aquilo que acha que está defendendo. Prende quem devia libertar. Lembre-se: "ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade."  (II Coríntios 3 : 17). Além desse constante fracasso real nos relacionamentos, o ciumento vive torturado, pois está submisso a pensamentos de suspeita constante e por isso não têm descanso. O que pode causar enfermidades constantes porque sobrecarrega o sistema imunológico, que se deteriora e permite o desenvolvimento das doenças às quais o organismo é mais sensível.





O que essas pistas lhe dizem? Ore a respeito. E verifique todas as vezes que se sentir ameaçado por alguém em perder alguma coisa ou uma posição diante de alguém, saiba que o Amor de Deus não aumenta e nem diminui e dEle flui o amor que você recebe das pessoas, por isso, está garantida a porção para você, a que você precisar, quando precisar. Não se deixe prender pelo ciúme, pela sensação de ameaça. Não viva debaixo desse jugo e nem deseje prender ninguém debaixo dele. Não prenda ninguém assim e você vai ser bem mais feliz e fazer os outros felizes. Caminhar juntos é uma opção consciente, não transforme em uma imposição, senão a jornada muda de rumo e os parceiros se apartam. Sejam amigos, namorados, noivos ou esposos. O amor precisa da liberdade e da fé como precisamos de ar:  "[...] a fé que atua pelo amor." (Gálatas 5:6) e "O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, [...] " (1 Coríntios 13:4).







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