sábado, 21 de janeiro de 2012

A canção da juventude



Tenho tido o privilégio de trabalhar com jovens. Há tanta energia e tanto a aprender borbulhando neles, que é preciso emprestar juventude para acompanhá-los. Quando se agarram com fé a princípios verdadeiros são vigorosos de se invejar. Eles inspiram a paternidade e a maternidade de qualquer um que se aproximar deles. Tanta força precisa ser bem direcionada... Dá para enxergar potencial em cada vida, mas que pode frutificar ou secar por um estímulo apenas. Eles precisam de pais e mães que os façam ser o que a palavra diz que são... 



..."como flechas na mão do valente..." (Salmo 127:4).

Como uma canção, eles precisam de pautas e harmonia, de um ambiente que os faça florescer de forma saudável e segura. O texto de Cecílio Elias Netto, intitulado “A lua que não dei” mostra a experiência de arqueiro de um pai valente:

Vou narrar, por me parecer apropriado à croniqueta, o que me aconteceu ao ser pai pela primeira vez. Lá se vão, pois, 45 anos.

Deslumbrado de paixão, eu olhava a menina no berço, via-a sugando os seios da mãe, esperneando na banheira, dormindo como anjo de carne. E, então, eu me prometia, prometendo-lhe:

- Dar-lhe-ei o mundo, meu amor.

E não lho dei... E foi o que me salvou do egoísmo, da tola pretensão e da estupidez de confundir valores materiais com morais e espirituais. Não dei o mundo à minha filha, mas ela quis a Lua. E não me esqueço de como ela pediu, a Lua, há anos já tão distantes. Eu a carregava nos braços, pequenina e apenas balbuciante, andando na calçada de nosso quarteirão, em tempos mais amenos, quando as pessoas conversavam às portas das casas.

Minha filha era eu e eu era ela. Um pai é, sim, um pequeno Deus, o criador.E seu filho, a criatura bem amada. E foi, então, que conheci a impotência e os limites humanos. Pois a filhinha - a quem eu prometera o mundo - ergueu os bracinhos para o alto e começou a quase gritar, assanhada, deslumbrada:

- Dá dá dá '. 'Dá, dá, dá...'- Ela descobrira a Lua e a queria para si, como ursinho de pelúcia, uma luminosa bola de brincar.

Diante da magia do céu enfeitado de estrelas e de luar, minha filha me pediu a Lua e eu não pude dar. A certeza de meus limites permitiu, porém, criar um pacto entre pai e filhos: se eles quisessem o impossível, fossem em busca dele.

Eu lhes dera a vida, asas de voar, diretrizes, crença no amor e, portanto, estímulo aos grandes sonhos. E o sonho da primogênita começou a acontecer, num simbolismo que, ainda hoje, me amolece o coração. Pois, ainda adolescente, lá se foi ela embora, querendo estudar no Exterior. Vi-a embarcar, a alma sangrando-me de saudade, a voz profética de Kalil Gibran em sussurros de consolo: “Vossos filhos não são vossos filhos, mas são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Eles vêm através de vós, mas não de vós. E embora vivam convosco, não vos pertencem. (...) Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.”

Foi o que vivi, quando o avião decolou, minha criança a bordo. No céu, havia uma Lua enorme, imensa. A certeza da separação foi dilacerante. Minha filha foi buscar a Lua que eu não lhe dei. E eu precisava conviver com a coerência do que transmitira aos filhos: “O lar não é o lugar de se ficar, mas para onde voltar.” Que os filhos sejam preparados para irem-se, com a certeza de cansaço ter para onde voltar quando o cansaço, a derrota ou o desânimo inevitáveis lhes machucarem a alma.

Ora, mesmo sendo avós, temos, sim e ainda, filhos a criar, pois família é uma tribo em construção permanente. Pais envelhecem, filhos crescem, dão-nos netos e isso é a construção, o centro do mundo onde a obra da criação se renova sem nunca completar-se. De guerreiros que foram, pais se tornam pajés. E mães, curandeiras de alma e de corpo... É quando a tribo se conhecem os mistérios da grande arquitetura familiar, com régua, esquadro, compasso e fio de prumo. E com palmatória moral para ensinar o óbvio: se o dever premia, o erro cobra.

Escrevo, pois, de angústias, acho que angústias de pajé, de índio velho. A nossa construção está ruindo, pois foi feita em areia movediça. É minúsculo o mundo que pais querem dar aos filhos: O dos shoppings. E não há mais crianças e adolescentes desejando a Lua como brinquedo ou como conquista. Sem sonhos, os tetos são baixos e o infinito pode ser comprado em lojas. Sem sonhos, não há necessidade de arqueiros arremessando flechas vivas. Na construção familiar, temos erguido paredes. Mas, dentro delas, haverá gente de verdade?

Compreendo pais - e me encanto com eles - que desejariam dar o mundo de presente aos filhos. E, no entanto, abomino os que, a cada fim de semana, dão tudo o que filhos lhes pedem nos shoppings, onde exercitam arremedos de paternidade. E não há paradoxo nisso. Dar o mundo é sentir-se um pouco como Deus, que é essa a condição de um pai. Dar futilidades como barganha de amor é, penso eu, renunciar ao sagrado.

Se você tem o privilégio de ser pai ou mãe, não aceite como definitivo que seu filho ou filha será diferente do que Deus prometeu. Mas uma flecha depende do arqueiro. Um arqueiro tem que ter a mão firme, o olhar ajustando a flecha ao alvo, calcular bem a força necessária para o lançamento e, finalmente, soltar a flecha para que ela chegue a o seu destino. Tudo isso é feito pessoalmente, com contato direto. Não pode ser substituído por nenhum equipamento. Há o momento do arqueiro e o da flecha, mas os dois estarão sempre ligados. A bíblia diz que os filhos do valente são como a sua aljava cheia com flechas. A aljava é a bolsa que leva as flechas. Todas estão reunidas.  Todas estão no mesmo lugar e estão nas costas do arqueiro. Esse é o lar que dá suporte, que direciona, que dá espaço para aprender e errar.

Você sabia que nenhum arqueiro na caça deixa suas flechas para trás? Ele só não as pega de volta quando não há outro jeito. Ter um lugar de segurança é extremamente importante, não importa a idade da “flecha”. Um lugar onde se pode descansar, aprender e de pode poder partir novamente atrás da “lua”. Construir um lar é mais do que comprar um vídeo game de última geração. É garantir a distinção entre o certo e o errado para que os filhos possam andar fora de casa com segurança.

“¶ Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele.” (Provérbios 22:6).

Mas, isso só acontece com as flechas nas costas do arqueiro:

“Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te.” (Deuteronômio 6:7).

Não abandone seus filhos para conseguir uma forma de comprar alguma coisa para eles. O que eles realmente precisam é de você. Não tente compensar sua ausência com bens. Isso vai confundir seus filhos e ensinar que amor são coisas e não pessoas. Mas eles precisam de amor, de pessoas, de você. E apesar de você deixá-lo confuso dando coisas, a carência de amor vai se manifestar em forma de agressividade, que vem da frustração da solidão que ele sente por não ter a sua companhia. E, observe, eu não disse presença, disse companhia. Não estou falando de você em casa assistindo TV ou tentando cochilar. Estou falando de você em casa interessado em saber como foi o dia dele(a) e o que houve na escola ou na vida dele(a), separando um tempo para fazer alguma coisa junto com ele(a).

Se é preciso, refaça a sua agenda, antes que você perca o contato e descubra que tem um adolescente rebelde ou um(a) jovem adulto(a) muito distante de você, e que, apesar de morarem na mesma casa, são dois estranhos. Relações de parentesco são herdadas, amor não é herdado, é construído e mantido todos os dias.
  

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