Creio que esse é o tempo de falar de
algo que nos escapa no nosso cotidiano e que tem sido deixado de lado pelos
educadores e pais é o que chamei de “cultura do amor”. Muitas vezes, essa
cultura, (no sentido de cultivo, incentivo, objetivo de relacionamento e estilo
de vida), é substituída pela cultura do prazer ou da alegria, mas a cultura do
amor é mais do que isso.
Apesar de tanto descaso, o que chamo de cultura do amor é
essencial à vida. Isto, se entendermos que vida é mais do que vestir, comer e
correr atrás de coisas e posições. Nós precisamos divisar um espaço vital, onde o
cuidado é o centro. Pois o cuidado é o centro do amor. Este de que precisamos como
o ar e para o qual fomos feitos. O mais sublime e radical amor é o Amor que
tudo gerou, o Amor de Deus. Esse amor deveria ser o padrão para os nossos
relacionamentos, mas nos perdemos no meio do caminho.
Há que se diferenciar amor de aprovação total. O amor nem
sempre aprova tudo o que fazemos, mas nem por isso o diminui. Pois a essência do
amor é o cuidado, e não podemos pensar em um cuidado que permita tudo. O amor é
também aquele protetor de tomadas na casa dos bebês, o agasalho que impede o frio,
a comida quente nas horas certas e da melhor qualidade, que garante a saúde e o
crescimento. O amor, acima de tudo, cuida, supre, nutre, aconchega, mas o
cuidado também repreende e retém.
Podemos pensar em cuidado sem amor, por interesse, por
obrigação, por medo até, mas não podemos pensar em amor sem cuidado. Como dizia
o Caetano Veloso: “Se a gente ama, é claro que a gente cuida.” O cuidado mostra
o nível da quantidade e da qualidade do amor, é o seu mover e sua prova. E nós fomos chamados à vida para receber e dar cuidado. Quando nos
focamos em apenas uma dessas faces do cuidado, adoecemos. Quem somente pensa em
receber cuidado é egoísta, está doente. Quem somente pensa em dar cuidado
descumpre o mandamento de amar o próximo como a si mesmo, também se compromete. É a dinâmica do cuidado quem move uma vida de qualidade.
O amor de Deus, essencialmente, cuida. Deus criou a Terra com tudo de bom, num perfeito controle de qualidade, encadeou os sistemas de
vida até que o centro de sua atenção pudesse ser trazido para um lugar separado exclusivamente e especialmente preparado para ele. Em todas as
coisas que Deus criou, Ele disse: “Faça-se...” É uma ordem que libera seu poder
criativo. Mas, ao criar os seres humanos, Ele disse: “Façamos o homem...”
e além de estar presente em sua plenitude, Ele foi além e disse: “Façamos o
homem à nossa imagem e semelhança...” De toda a criação, o homem foi criado
para ser semelhante a Deus e essa semelhança estava numa dimensão especial.
Quando Deus criou o homem, aconteceu o seguinte: “Então, formou o
SENHOR Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida,
e o homem passou a ser alma vivente.”(Gênesis 2:7). Em português não
fica clara a força desse texto. Mas, a palavra fôlego, no original hebraico é a
mesma usada para espírito. Então, em toda a criação, Deus compartilhou com o ser
humano o espírito, algo que só Ele em sua essência divina possuía. Os demais
seres da criação possuem alma, mas o homem recebeu não apenas vida, recebeu a
Vida de Deus. O ser humano foi a coroação da criação, Deus tinha alguém com
espírito, que podia compartilhar diretamente. Ele tinha encontros diários com
Adão para compartilhar e cuidar. Somente quando Deus colocou aqui alguém que podia
recriar o céu na terra, Ele declarou que tudo era muito bom (Gênesis 1).
Essencialmente, Adão e Eva estavam na terra para receberem o cuidado de Deus.
Mas um dia, eles se negaram a estarem na dimensão do cuidado e resolveram voltar-se
para si mesmos e seus interesses. Não deu certo. Eles perderam a ligação com a
Vida de Deus e colocaram obstáculos ao seu cuidado. Fizeram como até hoje, as crianças que
aprontam alguma coisa fazem: escondem o que fizeram e, quando são descobertos,
colocam a culpa no irmãozinho ou irmãzinha. Isso impede que a situação se
resolva e não a alivia. Entretanto, Deus estendeu as mãos para nós em Jesus.
Deus, no seu extremo amor, enviou seu único filho para nos acolher. Jesus é o abraço de Deus para a humanidade sem cuidado.
Jesus é aquele que não vai embora mesmo quando todos vão, como Ele disse: “[...] eis que estou
convosco todos os dias até à consumação do século.”(Mateus 28:20); É
Aquele que toca os leprosos, cobertos de chagas, que ninguém suporta a presença,
assim como ele tocou aquele leproso de que fala Mateus 8:1-3. Observe a
história:
Ora, descendo ele do monte, grandes multidões o seguiram. E eis que
um leproso, tendo-se aproximado, adorou-o, dizendo: Senhor, se quiseres, podes
purificar-me. E Jesus, estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero, fica limpo!
E imediatamente ele ficou limpo da sua lepra. (Mateus 8:1-3).
Jesus parou por Aquele homem desprezado, dirigiu-se diretamente a ele, preterindo toda a multidão que o comprimia e tocou-lhe com seu cuidar, dando-lhe a vida de volta, pois a lepra era uma sentença de morte na ápoca, além de degradação social. Jesus poderia ter dado uma ordem de cura de onde estava, sem sequer ter parado, mas demonstrou cuidado e carinho àquele homem ferido, abandonado e desenganado. Ele
aproximou-se e agiu, porque não existe amor sem cuidado e nem cuidado sem ação
em favor do outro.
Além de cuidar, Jesus ainda ensinou a cuidar. Na parábola
do samaritano (Lucas 10:30-35), o herói da parábola, que ensina sobre o que é ser próximo, cuida de um desconhecido ferido,
com quem tem gastos e a quem supre de todas as necessidades pelo fato de que
ele estava incapacitado de fazê-lo por si mesmo. Não existe amor sem cuidado e
não existe cuidado sem investimento. Cuidado exige investimento,
desprendimento, entrega de afeto, tempo, dinheiro, paciência, confiança e muito
mais e tudo o que for necessário para que o outro esteja bem. Uma geração que
adora o prazer e o individualismo é, em contrapartida, uma geração abandonada e
abandonadora, porque não tem lugar para o cuidado no dicionário com que
significa a vida. Se na sua vida você não tiver lugar para a ferida e a
desordem do outro, também não haverá lugar para você em vida alguma. Família implica em casa desarrumada, contas a pagar, disputas a resolver, mas é um lugar de cuidado, por isso que é um lugar trabalhoso. Pessoas
exigem desordem e desvios dos nossos planos originais para acudi-las. Amar pessoas inclui espaço para o
perdão que sara o descuido para que a mágoa e a amargura não ocupem o lugar que
seria do amor e do cuidado e os impeçam de fluir nos adoecendo.
Mudando uma geração